Onde é que assino?
O eng. Sócrates propôe-se fazer “reformas” a partir da esquerda. Só que a esquerda não quer as reformas – incluindo a maior parte do PS. À direita, curiosamente, pouca gente percebeu ainda este problema, que é a chave de tudo. O PS escolheu o eng. Sócrates para ganhar eleições, mas nunca para fazer os cortes e mudanças, que ele, antes de chegar ao Governo, teve o cuidado de não anunciar ou até de negar. A vida governativa do eng. Sócrates está toda marcada por estes equívocos. Não pode fingir que há dinheiro, mas também não pode afastar-se da esquerda. Em suma, não consegue escolher: perante duas opções, adopta um bocadinho das duas. Por isso, ao mesmo tempo que corta a ração aos dependentes do Estado Social, alimenta sempre as miragens do desenvolvimento por intermédio do Estado. Diminui a burocracia por um lado, e cria subsídios cheios de alçapões burocráticos pelo outro. Com este governo, o Estado tornou-se um milagre da física: diminui e aumenta ao mesmo tempo.
Ultimamente, o Governo descobriu um meio simples para realizar esse milagre. O Estado português é o Estado mais centralizado da Europa. Ora, esta centralização permite uma coisa: concentração. Para justificar a concentração, há vários alibis, como a deslocação da população, ou as novas tecnologias. O eng. Sócrates percebeu assim que podia fazer poupanças através da simples retracção do dispositivo burocrático no território. Vai fechar 4000 escolas. Já tem na mira 68 postos de atendimento médico permanente. Gostaria de abolir freguesias. E por aí fora. Num país descentralizado, isto seria impossível. As instituições fariam parte das comunidades locais, e os serviços seriam geridos por elas. Em Portugal, não. Independentemente das leis e dos discursos, quase tudo o que há nas províncias é, na realidade, delegação do Governo central, com atribuições secundárias e poucos recursos próprios. Ou seja, por essas montanhas e planícies pouco há cuja existência, localização ou funcionamento não esteja à mercê de um decreto ou portaria assinados em Lisboa. Previsivelmente, a retirada do Estado vai acelerar a desertificação do interior. Quer escola primária a menos de uma hora de casa? Quer junta de freguesia? Se é novo, ainda está tempo de fazer a mala. Já tínhamos um jardim, agora vamos ter também um Estado à beira-mar plantado. Poupa-se assim dinheiro? Certamente. Há outras justificações para a retracção estatal? Provavelmente. Mas então a questão seguinte é esta: para que servem as despesas, a que o eng. Sócrates chama “investimentos”, nomeadamente as célebres “SCUTS”, que este Governo nos obriga todos a pagar como um imposto contra a desertificação? Economiza-se em escolas, hospitais, freguesias, e um dia destes em tribunais e repartições de finanças. Mas continua a gastar-se em estradas, supostamente para fixar população em regiões onde depois se fecham escolas, hospitais, etc. – por não haver lá gente. Onde está a lógica? Mas não vale a pena perguntar nada a este Governo. Teríamos uma resposta de manhã, outra de tarde, e um desmentido no dia seguinte. Isto antigamente chamava-se “trapalhada”. E agora, chama-se o quê?
Rui Ramos, Historiador no Jornal de Negócios
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