A invenção de uma agenda política
O “caso da Teresa e da Lena” mostrou-nos como um grupo de interesses particular se alia de forma eficiente aos valores do jornalismo dominante para impor ao país uma agenda política que ninguém sufragou
(...)em Dezembro passado, o Expresso proclamava em primeira página que um milhão de portugueses eram homossexuais. O estudo, como se podia ler nas letras pequeninas da ficha técnica, depara-se contudo com a recusa de resposta por parte da maioria dos entrevistados e a sua amostra não era representativa do universo. Isso não impediu o Expresso de somar homossexuais e bissexuais, chegar aos míticos dez por cento e, depois, extrapolar para os dez milhões de portugueses, como se até os recém-nascidos fossem sexualmente activos.
De forma consciente ou inconsciente, a verdade é que o caminho ficou assim aberto para que, em finais de Janeiro e início de Fevereiro assistíssemos à montagem de um incidente destinado a obter larga cobertura mediática com o objectivo confesso de promover uma agenda política particular: a “tentativa” de casamento de duas lésbicas de Aveiro num cartório de Lisboa.
(...)Foi uma operação exemplar em que, como sublinhou Manuel Pinho no blogue Jornalismo e Comunicação, “as fontes, por efeitos da sua crescente organização e profissionalização, ou em consequência de se terem socializado nos valores-notícia do jornalismo dominante, encontrariam, cada vez mais, formas de influenciar e marcar a agenda mediática. O ‘caso Teresa e Lena’ constitui, nos tempos mais recentes, um dos melhores exemplos desse poder de agendamento. E tem todos os ingredientes para pôr um certo jornalismo a salivar. Foi pensado para isso e vai seguramente conseguir o que projectou. Veremos.”(...)
A verdade é que entre o mau jornalismo do Expresso, o hábil agendamento mediático do caso (simpático) da Teresa e da Helena e as petições entregues na Assembleia e subscritas por jornalistas e directores de jornais (como fizeram a repórter que cobre estes temas no Diário de Notícias, assim como o seu director e um dos seus directores adjuntos), acabámos perante uma daquelas situações onde antes mesmo de se expor um argumento já se está catalogado e ninguém está disponível para ouvir.
José Manuel Fernandes Na Revista Atlântico
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