Acabar com a fome: Live 8 e G8
Todos queremos acabar com a pobreza...
Vinte anos depois do Live Aid, realizou-se o evento Live 8. Objectivo: lutar contra a fome no mundo, em especial nesse continente martirizado que é África.Este evento é qualquer coisa de colossal: realiza-se em simultâneo em vários pontos do globo (Londres, Paris, Berlim, Joanesburgo, Filadélfia, Moscovo, Tóquio,...), reunindo um plêiade verdadeiramente impressionante de grupos e cantores do mainstream musical mundial (são 100: Paul McCartney, U2, REM, Madonna, Robbie Williams, Pink Floyd, Sting, Annie Lennox, Bob Geldof, Coldplay, Dido, Elton John ..., ..., ..., até o Bill Gates e o Kofi Annan, mesmo não sendo do meio, lá estiveram). Também a nível da audiência (anunciada) é avassalador, um milhão no total dos recintos onde decorrem os espectáculos e DOIS MIL MILHÕES(!) pela televisão, fundamentalmente nos países ricos (eis a globalização no seu esplendor).
Há motivo para nos sentirmos orgulhosíssimos: os povos do mundo estão unidos para acabar com a fome!
Dizem que querem chamar a atenção daqueles oito senhores que se vão reunir numa sala (os chefes dos Estados do G8) para que estes resolvam o problema. Sim, estes senhores podem, se quiserem, acabar com este terrível flagelo.
Contudo, como aqueles senhores (os chefes de Estado, é claro) são um bando de cruéis egoístas, não creio que seja de esperar grande coisa da cimeira.
Mas, curiosamente, todos os chefes de Estado que vão tomar parte naquela reunião foram democraticamente (re)eleitos, portanto, estão a fazer o que os seus povos querem que façam. Isto parece um pouco confuso: então os povos dos Estados ricos querem acabar com a fome nas regiões pobres, mas (re)elegem governantes que não o pretendem fazer?
Será que verdadeiramente os povos do mundo rico querem acabar com a fome no mundo pobre? Ou seja, será que estão dispostos a fazer as concessões e os sacrifícios necessários para isso?
Será que é, como tem acontecido sempre que há uma crise humanitária grave, enviando ajuda alimentar de emergência que se resolve o problema da fome?
Parece que, no longo prazo, essa não é a suloção. Aliás, essa solução tem-se revelado especialmente perversa. Como essa ajuda entra gratuitamente nesses países, a agricultura local não tem qualquer hipótese. Para quê produzir bens alimentares se eles são distribuídos gratuitamente? Portanto, no longo prazo, a ajuda alimentar de emergência prejudica mais do que o que ajuda!
Será dando ou emprestando dinheiro sem juros, ou perdoando os juros dos empréstimos entretanto contraídos?
Esta solução vem sendo aplicada ao longo das últimas décadas, porém, o seu resultado tem sido igualmente devastador (aliás, vê-se pelo que tem sucedido!). O dinheiro fácil e barato tem servido para alimentar uma classe dirigente corrupta e sem escrúpulos que usa a miséria do seu povo como pretexto para ir buscar fundos que depois aplica em benefício próprio. Nalguns dos países Africanos nem há falta de recursos. Vêja-se, a título de exemplo, o caso de Angola: é um país riquíssimo, tem uma elite abastadíssima e, no entanto, o povo passa fome. Outro exemplo: o Zimbabué. Foi um país rico, capaz de alimentar o seu povo até que o seu presidente decidiu aplicar medidas de justiça social distribuindo as terras dos latifundiários pelo povo. Resultado: a enormíssima maioria da população passou a uma condição de dificuldade extrema. Poderíamos dar muitos outros exemplos. É, aliás, interessante notar que na generalidade dos países Africanos as condições de vida são hoje muito piores que o eram nos tempos coloniais. Será efeito da globalização? Basta olhar com atenção para perceber que não, foram os Mogabes, Mobutus, Eduardos dos Santos, enfim, foi toda essa elite dirigente (até ao desmoronamento do bloco de leste) que os destruiu, ora em busca de uma utopia absurda, ora em benefício pessoal.
O que é que, então, faria os países pobres terem condições para criar riqueza suficiente para alimentar os seus povos?
A resposta é tão simples que parece mentira: poderem vender os seus produtos em condições de igualdade nos mercados dos países ricos e serem governados por pessoas honestas, competentes e lúcidas.
Mas isso não acontece já?
Não, claro que não!
O que são a PAC (Política Agricula Comum, na UE) e as suas congéneres nos EUA, Japão e demais blocos comerciais senão restrições à possibilidade de os países mais pobres exportarem os seus produtos e assim criarem a riqueza de que necessitam para tirar os seus povos da fome?
E não são só as políticas agriculas, também há restrições à exportação de produtos manofacturados, bens culturais e serviços em geral.
Por isso deixem-se de hipocrisias! É fácil o pessoal juntar-se numas grandes festarolas, ouvir a música de que se gosta e gritar umas palavras de ordem. Até é fácil dar uns dinheiritos (assim uns milhares de milhões de dólares) mas já não é assim tão fácil aceitar fazer os sacrifícios que verdadeiramente tirariam essa gente da fome, pois não?
Ou não são os mesmos que se vão divertir para estes concertos aqueles que participam nos protestos anti-globalização que visam, precisamente, impedir a circulação de bens e serviços?
E, “já agora”, em vez de irem para Edimburgo, cidade bonita e aprazível nesta altura do ano, protestar contra os líderes do G8, vão protestar contra os líderes que realmente andam a matar pessoas à fome e não só. (Eu sei que não tem tanta graça, não tem tanto glamour...) Por exemplo o Mugabe, o Kim Jong Il e tantos outros.
Talvez não saibam, mas a política da Coreia do Norte (que por sinal é o oposto da globalização) conduziu a um extremo de fome e desespero que fez surgir o fenómeno canibalismo.
Que tal escolhermos o G8 (grupo dos 8) países em que os direitos humanos são mais violados e dirigirmos os nossos protestos contra os seus líderes?
Desde já deixo quatro propostas de países para a lista: Coreia do Norte, Sudão, Irão, Zimbabué.
Fico à espera de mais sugestões.
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