Cunhal e Salazar
A morte de Álvaro Cunhal suscitou-me uma breve reflexão sobre a sua vida e o seu legado.
Não pude deixar de traçar o paralelismo com Salazar.
Talvez se possa dizer que foram os piores inimigos. Em certo sentido, podemos dizer que cada um deles representava para o outro aquilo que mais desprezavam. Se o Diabo tivesse um rosto, Salazar acharia que era o de Cunhal e vice-versa (não acreditando em Deus, Cunhal também não acreditaria no Demónio, mas fica a metáfora…).
Salazar até prendeu Cunhal. Felizmente, e apesar de a ter tido à sua mercê, poupou-lhe a vida. Questiono-me como teria sido se as coisas se tivessem passado ao contrário. Os exemplos dos correligionários de Cunhal que (ditatorialmente) exerceram o poder levam-nos a pensar que o tratamento teria sido bem pior…
É evidente que preconizavam valores e projectos de sociedade muito diferentes. Salazar defendia os valores herdados da tradição de um Estado-Nação com muitos séculos de História profundamente inspirados na cultura e nos preceitos católicos (em que a vida tinha uma valor absoluto) e desejava uma sociedade conservadora que perpetuasse tais valores. Muito mais importante que o progresso material era a moral (“pobres mas dignos”) e a conservação desses valores. A Nação, una e indivisível, também tinha um lugar central no seu pensamento, sendo que nela incluía as “províncias ultramarinas” e os seus indígenas. Cunhal, por sua vez, era fidelíssimo defensor das teses marxistas-leninistas e da aplicação que lhe foi dada pela União Soviética na sua versão mais impiedosa. Este posicionamento implicava a negação liminar dos valores e do projecto de sociedade de Salazar.
Mas, apesar de todas as diferenças, não é possível deixar de assinalar as semelhanças.
Tanto Salazar como Cunhal foram homens que sabiam muito bem o que queriam e tinham a tenacidade e teimosia para perseguir os seus intentos fossem quais fossem as adversidades. Ambos fizeram das suas vidas uma espécie de sacerdócio, dedicando-se totalmente àquela que entendiam ser a sua missão.
Ao que se sabe, ambos eram probos, não constando que qualquer deles se tenha aproveitado de cargo, função ou circunstâncias para proveito próprio
Ambos detestavam o capitalismo e jamais poderiam aceitar um Estado liberal (ainda que aqui Cunhal fosse muito mais radical, pois não admitia nem propriedade nem iniciativa privadas, preconizando uma economia “pura” de planeamento central ao passo que Salazar se ficava por uma economia corporativa com limitações, ainda que significativas, à livre iniciativa e à concorrência).
Ainda que defendessem modelos de Estado e de organização do poder político diferentes, ambas desconfiavam da democracia, cada um à sua maneira defendia um regime que negava a democracia.
Poderá dizer-se que ambos, cada um na sua linha ideológica, eram ortodoxos, não sendo verosímil que estivessem dispostos a condescender, fosse no que fosse.
Tudo isso fazia deles homens politicamente profundamente intolerantes.
Infelizmente sabemos como foi Salazar como Estadista e Governante, felizmente não chegamos a saber como seria Cunhal, mas não é difícil adivinhar.
Só admira é que o Portugal democrático preste homenagem a quem tão profundamente o odiou.
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