segunda-feira, março 06, 2006

Ipsis Verbis

A riqueza das nações de Adam Smith foi talvez a obra que mais me marcou enquanto aluno na universidade, por isso esta citação em tamanho XXL. Um livro essencial para compreender o mundo.

Um mundo que afinal funciona bem de João César das Neves no DN

Na próxima quinta-feira fará 230 anos que foi publicado um livro(...): o Ensaio sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, do filósofo escocês Adam Smith. (...) A obra ficou famosa como fundadora de uma nova ciência, a economia.

Vale a pena citar o exemplo do autor: "Não é da bondade do homem do talho, do cervejeiro ou do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que eles têm o seu próprio interesse" (Smith (1776) livro I. cap. 2). O meu jantar depende de uma enorme quantidade de pessoas, dos que cultivam os vegetais até aos que tiram da terra o metal dos talheres, modelam o copo ou o fogão, extraem o gás natural. Toda esta multidão precisa de trabalhar para que eu possa jantar. Mas a única pessoa no mundo interessada no meu jantar... sou eu. Por que razão se realiza tanto esforço? Porque é que o mundo funciona bem?

(…)
Este paradoxo do meu jantar chega para combater a noção, hoje dominante, de que o altruísmo e o egoísmo são opostos e que cada pessoa tem de escolher entre ser boa para si ou para os outros, entre ser feliz ou virtuosa. (...)O mundo não é uma luta entre átomos opostos que se devoram mutuamente, mas um local variado de confronto e cooperação, amizade e discussão. Muitas vezes, como o padeiro e o cervejeiro, as pessoas ajudam-se a si mesmas ajudando os outros.

Mas a questão da ética coloca-se a outro nível. Smith notou que cada um, ao fazer o que acha que deve fazer, tem efeitos benéficos sobre os demais. Mas o problema ético coloca-se naquilo que se acha que se deve fazer, na atitude perante a vida, não na estrita ponderação das consequências. Um traficante de droga dá de comer a muitos pobres e o médico prejudica vastas regiões produtoras de tabaco. Até um rio, correndo para a foz, irriga todas as terras, sem que isso faça dele egoísta ou altruísta.

Com Smith aprendemos que até das más intenções anda o progresso feito, sem deixarem de ser más e progressivas. Daqui se pode deduzir aquilo que os últimos 230 anos mostram claramente: o progresso pode levar-nos ao inferno, se cuidarmos mais das interacções do que das intenções.